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domingo, 13 de setembro de 2009

E ainda por cima, chovia

Fatima Dannemann


Manhã estranha. Seria uma sexta-feira qualquer se fosse outro mês. Se fosse outro ano. Não havia aviões desgovernados no céu. Mas havia sinais de guerra na terra. Não havia Osama, mas ladrões pé de chinelo. O dia era o mesmo, o décimo primeiro de um setembro e de ano impar, que somado dava 11. Coincidências que os cabalistas, fatalistas, mágicos adoram. Lá em Nova York, nos antigos escombros transformados em monumento, sobreviventes choravam a memória dos mortos no atentado as Torres Gêmeas. Aqui, junto às cinzas de ônibus queimados e postos de polícia metralhados, sobreviventes davam entrevista a televisão disfarçados e trêmulos de medo.

- A situação está sob controle, disse o governador da Bahia na televisão. Será que há controle numa sociedade onde a violência desgovernada corre solta banalizada pelas novelas e filmes? Bandidos sendo transferidos e um jornal estampando a manchete: já vai tarde. Mas a violência continua, disseminada entre os bairros da periferia, escondida nos lares e entre famílias onde pais espancam filhos, irmãos esmurram irmãs que acabam por se refugiar nos braços de meninas. O clima de terror pode até ter amainado. Mas a violência paira como uma sombra negra nos corações trazendo medo, fazendo senhoras idosas e pacatas vibrarem ao ver personagens (“bons”) de novelas espancando os vilões. Dá no mesmo, só que ninguém nota. “Bater em malvado, pode”, como diria aquela outra personagem.

Uma sexta-feira em que vestir branco passou em branco em alguns corações apavorados. Como se a sombra de Osama Bin Laden pairasse sobre a Bahia e ofuscasse o céu azul e o mar convidativo onde gregos e baianos fazem festa todos os verões. No supermercado, escuro, medo. “Calma, foi apenas a luz”, diz um funcionário meio sem graça. Perecíveis tirados as pressas. Calor. Reclamações, chão molhado. “Coincidência dar problema na energia justamente hoje. Será que foram os terroristas ou os bandidos?” Alguém ri achando improvável. Mas os telefones também dão pane. “Foi apenas a energia”, a caixa diz achando divertido.

A energia. Os esotéricos acendem velas e rezam. O karma está pesado. Hare baba! Preparativos para de noite assistir o final da novela. Sim, precisamos da fantasia, do colorido de uma Índia de mentirinha onde todos podem ser felizes para sempre. Quem dera. E surgem os palpites. Destinos de Surya, Yvone, Norminha, as “najas” da novela ganham mais destaque do que os ataques aos ônibus e postos de polícia em bairros distantes que ninguém visita. “Pobre vota. Nego esquece que pobre vota. E como vota”, reclama alguém no ponto de ônibus lotado. E ainda é apenas de manhã.
Chove. Sim, ainda por cima chove nesta manhã de sexta-feira de um mesmo dia quando a turma de Osama resolveu abalar o império Americano. A águia tremeu ao ver as torres caírem. Aqui, o terror durou mais tempo. E como os aliens do filme, começaram os ataques no Dia da Independência. Um sete de setembro vermelho, não como a bandeira de um certo partido, mas como um sinal de alerta. Um sete de setembro negro de fuligem e com cheiro de bala. Um clima de terror que se prolongou por vários dias e afetou a cidade inteira.

Violência. Banalizaram a violência assim como banalizaram o sexo e criaram-se comportamentos bizarros que nem Freud, nem Jung explicam. Violência em escola, nas famílias, nas ruas, entre vizinhos, na fila do banco, em porradas e em farpas destiladas em e-mails. Comportamos que desunem. Tribos estranhas que se multiplicam e criam guerrilhas particulares até em shoppings. “Estamos numa época de desamor”, alguém disse na noite dessa sexta-feira negra. Um dia triste. Sem luz no mercado. Com telefones mudos. E ainda por cima, chovia.


Salvador – 13 de setembro de 2009

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