Não gosto quando se referem à Baianidade com o estereótipo da preguiça. Da falta de sofisticação. Pierre Verger fotografou a Bahia, e os corpos que ele retratou são peitos, troncos e bundas enrijecidas pela história e pela vida dura.
São homens açoitados pela escravidão. A Bahia é graça, prazer, leveza, mas ela é também luta. O Brasil ficou independente com um grito em 1822. A Bahia teve que lutar, morrer e vencer para expulsar de vez os portugueses em 2 de julho de 1823.
Castro Alves, o maior poeta brasileiro, morreu aos 24 anos, deixando uma obra imensa. Ou seja, trabalhou muito para deixar tanto em um tempo tão curto de sua existência.
Todos os anos o povo da Bahia anda 12 quilômetros com potes de água na cabeça para lavar as escadarias de nosso pai, Oxalá.
No Carnaval baiano, enquanto milhões se divertem, milhares trabalham dia e noite cantando, tocando, vendendo, para que o nosso povo e gente de todo o mundo possam se divertir.
Além disso, quem construiu todas aquelas igrejas, aqueles fortes, monumentos? Nós. Quem colocou cada pedra no Pelourinho? Nós. Quem foi açoitado no tronco que deu ao Pelourinho seu nome? Nós.
Quem escreveu músicas, filmes, encenou, pintou, esculpiu parte significativa da produção artística deste país? Ano após ano, década após década? Nós, os baianos.
Joana Angélica, Maria Quitéria são ruas no Rio de Janeiro, mas na Bahia são sofrimento, luta e heroísmo.
A Bahia é luta, mas ela compreende que a vida não é só isso. E não é.
E é por isso que essa tal Baianidade atrai em todas as férias e feriados estressados de todo o mundo.
Na costa da Bahia, o melhor conjunto de resorts do Brasil foi construído para que você possa experimentar o melhor da vida, e a gente trabalha enquanto você descansa.
O reitor Edgard Santos, baiano de boa cepa, fez uma das significativas obras de produção acadêmica e cultural, com contundente dedicação.
Lamento que a Bahia seja tão amada, tão exaltada e tão pouco compreendida.
Todos aqueles coqueiros e boa parte das frutas e especiarias que a Bahia tem não nasceram ali: vieram de outras índias e foram plantados pelas mãos calejadas do povo da Bahia.
Mas o mundo é de percepção. E, lamentavelmente, as novas gerações, por incompetência nossa, herdaram a parte mais vulgar, mais inculta, mais básica e folclórica desta Baianidade.
Cabe a nós, os velhos, passarmos pela tradição oral, que é de fato Baianidade.
E lembrar a quem dança na Bahia que, enquanto ele dança, alguém toca. Que enquanto ele reza, alguém constrói igrejas.
Ou seja, na Bahia o trabalho é voltado para o lazer e encantamento do mundo.
E toda vez que você chegar estressado e branco e sair moreno e feliz, chegar descrente e sair otimista e apaixonado, nosso trabalho, nosso papel no mundo estará sendo cumprido.
Baianidade é enfrentar a dura vida de uma maneira que ela pareça menos dura e mais vida.
E para que exerçamos a plena Baianidade, é preciso que entendamos plenamente do que é que somos orgulhosos.
Sou orgulhoso da Bahia mãe de Menininha, Cleusa, Carmem, Stella, do grande Obarain e de Padre Sadock, Padre Luna e Irmã Dulce.
Sou orgulhoso da Bahia de Ruy Barbosa, Glauber, ACM, Luis Eduardo, Jacques Wagner, Waldir Pires - estilos diversos da mesma paixão baiana que nasceu no 2 de julho.
Sou orgulhoso de Gil, Caetano, Bethânia, Gal, de Jorge, meu amigo amado.
Sou orgulhoso de Caribé, Verger, Lícia Fábio, que não nasceram na Bahia, mas a Bahia nasceu deles.
Sou, enfim, orgulhoso dos filhos da Bahia. E por isso sou tão orgulhoso do Brasil.
O Brasil é o maior filho da Bahia. Ele nasceu lá no dia 22 de Abril de 1500 e é por isso que os brasileiros ficam tão felizes quando vão à Bahia. Porque eles estão, na realidade, visitando os parentes, revendo suas raízes.
Baianidade é enfim o DNA do Brasil, é o genoma do país.
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