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domingo, 18 de julho de 2010

Mirian Stanescon, a inspiradora rainha dos ciganos.





Por Pili Aliano, especial para o Yahoo! Brasil

Fotos de Sérgio Guerra



A menina dos porquês e que precisaria de dois caixões ao morrer, um só para sua língua, como dizia sua mãe, chegou bem longe. A cigana Mirian Stanescon, que já inspirou personagem de novela, hoje comemora a conquista de um dia nacional para seu povo, uma cartilha com seus direitos e o pagamento de uma promessa: entregou nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma imagem da santa Sara Kali, a padroeira dos ciganos.

Nesse mesmo dia, sua presença em Brasília, na cerimônia de desincopatilização dos ministros, chamou a atenção por um aperto de mãos flagrado por fotógrafos com a ex-ministra-chefe da Casa Civil e candidata à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff. A cigana vestia um traje típico bordado em dourado e com pequenas flores vermelhas, rompendo a sobriedade dos ternos e gravatas predominantes.


Não esquece o carinho com que foi recebida pelo presidente ao entregar a imagem que ela pintou. “Meu Deus, uma ciganinha de barraca recebida pelo poder máximo do nosso país, com maior respeito”, diz a cigana que viveu até os 12 anos em uma barraca na região de Nova Iguaçu.


Mirian, ou Rorarni (como os ciganos mais velhos a chamam), não quer falar sobre previsões políticas. Ela assume, no entanto, que vai lutar para Dilma ganhar. “Até por respeito ao presidente Lula, pela gamação que eu tenho pelo presidente. Eu tenho gratidão por essa mulher também. Foi ela quem assinou o decreto. Acha que eu vou trabalhar para quem?”, afirma, referindo-se ao decreto de 2006 que criou o Dia Nacional do Cigano (24 de maio), assinado por Lula e a então ministra-chefe da Casa Civil.



“É a primeira vez na história deste país que um governo para e ouve as reivindicações do povo cigano. Eu não tenho que ser apaixonada por este homem?”

Respeito

As reivindicações têm rendido seus frutos, mas a língua afiada e destemida de Mirian não dá trégua. “Há 12 anos ninguém acreditava que este movimento daria certo” , disse este ano na festa do dia dos ciganos na Praça Garota de Ipanema, no Arpoador, na zona sul do Rio. E dispara: “Nunca gostei do termo tolerância. A gente não pode dizer que tolera homossexual, judeu ou cigano. A gente respeita, como Jesus respeitava.”

Assim, com a voz enrouquecida, iniciou seu discurso antes de começar as orações em romanês e abençoar os que estavam presentes, entre eles o ministro Eloy Ferreira, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

No dia 24 de cada mês, Mirian lidera uma corrente de oração pela paz mundial nesse mesmo lugar, chamado templo oficial da santa Sara Kali na América Latina, cuja imagem está em uma gruta natural. Advogada e integrante do Conselho Nacional da Seppir, Mirian diz que conhece muitos politicos, mas que não teve apadrinhamento nenhum. “Eu concorri com 119 instituições (para estar no conselho) e meu currículo e da fundação da qual eu sou presidente venceu e eu estou lá no conselho”, diz, referindo-se à Fundação Santa Sara Kali. “Não devo favor a nenhum político.”



Mirian reconhece que essa exposição tem um preço a ser pago, que nem sempre ela agradou nem agradará a todos, mesmo entre os ciganos, até por ser mulher. Em seu livro “Lila Romai” (Cartas Ciganas), ela diz que, durante toda sua vida, ouviu de seu povo que tinha muitas virtudes, mas que carregaria para sempre o “defeito” de ser mulher. “No entanto, jamais considerei o fato de ser mulher como defeito, não me calei e muito menos me isolei”, escreveu ela, que faz questão de dizer que foi a primeira mulher cigana a se formar em uma universidade no Brasil.



“Eu quero que fique nos anais da história que foi uma mulher cigana que fez as propostas [aprovadas em conferência de direitos humanos e igualdade racial], que foi para a tribuna, que deu a cara a tapa. E tem muita ciganinha para vir atrás. Eu quero ver centenas de doutoras, centenas de médicas”, diz.



Além de ter sido uma “menina dos porquês”, conta que era bisbilhoteira e era repreendida por querer se meter em brincadeiras de meninos. “Mas eu estava me preparando, sabe?” Hoje, aos 62 anos, diz que muitas vezes precisou ter atitude de “macho” para chegar onde chegou. “Minha vó me ensinou que um líder para ser líder tem que ter pulso forte, senão ele quebra os dedos e torce o pulso. Para liderar, tem a hora em que você tem que apertar, senão nego te aperta ou então ele vence.”

Sua próxima batalha, que acredita ser a última, é conseguir o direito à inviolabilidade das barracas dos ciganos, assim como são as residências dos “gajes” (não-ciganos). “A casa do cigano é a barraca, então é justo que, se a polícia vai entrar lá, tem que entrar com um mandado. Não dá para ver as atrocidades que a polícia faz com meu povo, de entrar sem mandado, de maltratar as mulheres.”

Não se sabe ao certo o número de ciganos que há no país, estima-se entre 800 mil e 1 milhão. Mas ela acredita que há muito mais, porque muitos ainda temem o preconceito e não assumem. “Nós tivemos um presidente cigano que morreu sem dizer que era cigano. E, no entanto, cansou de deitar no colinho da minha mãe em Nova Iguaçu”, lembra, referindo-se a Juscelino Kubitschek.

Muitos dos ciganos no país já estão sedentarizados, mas há ainda os que vivem como nômades. São sete clãs no país: Kalderash, Moldowaia, Sibiaia, Roraranê, Lovaria, Mathiwia e Kalê. No Norte do país, há alguns em situação “deprimente”, segundo Mirian, que é Kalderash.



Em sua caravana pelo Brasil ela já visitou 18 estados, levando a cartilha que elaborou, a qual acabou sendo gravada em CD com a voz de uma de suas filhas, pois muitos ciganos reclamavam que não tinham como ler por serem analfabetos.


Às sextas, cartomante

Mas o mundo desta cigana não se limita à batalha contra o abandono e discriminação, há também um espaço para a magia. Ela diz que de segunda-feira a quinta é doutora, mas na sexta é cartomante. “Desfaço qualquer olho grande, qualquer magia, qualquer feitiço.”


Atende em casa, um amplo apartamento na zona sul do Rio, repleto de lembranças de seus ancestrais. Com orgulho, aponta para os brincos que aparecem em fotos nas orelhas de sua avó, sua mãe e agora repousam em um copo com água sobre a mesa onde lê as cartas. Quando vai ler a sorte eles têm que estar ali. Ela também oferece consultas online pelo seu site.

As cartas usadas por Mirian foram idealizadas por ela, como manda a tradição cigana, deixada de lado com o tempo. “Antigamente os ciganos desenhavam as lâminas para as ciganas lerem a sorte. Com essa história de comercializar os tarôs e as cartas, ficaram vagabundos. Vão lá e compram pronto.”

Com toda essa trajetória, as batalhas de Mirian não pararam por aí. Ela não gosta de falar sobre o assunto, mas traz no currículo uma liminar, que acabou sendo cassada, contra a TV Globo. A disputa foi por causa da personagem Dara de “Explode Coração” (1995-6), escrita por Glória Perez. A personagem Dara, inspirada em Mirian, representava uma jovem cigana que se orgulha de suas origens, mas se recusava a ficar presa às tradições, entre elas de manter a virgindade. Sentindo que aquilo era uma traição ao seu povo, a cigana Mirian entrou em ação.

“Como ia ficar? Iria parecer para meu povo que eu também os tinha ludibriado? Duas mulheres que ficaram de vigília na minha noite (de núpcias) haviam morrido, mas três estavam vivas. E aí, significa que eu fiz as três de palhaças?”, relembra ainda indignada.

Miriam acredita que essa tradição não mudou, que ainda é respeitada por seu povo. “A virgindade é uma coisa muito séria, porque até na própria magia há certas simpatias que só moça virgem pode fazer”, explica. “Limpar o santo, por exemplo. Só moça virgem pode fazer. Acha que alguém é besta de ser mulher e tocar a mão em santo

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